CAPÍTULO 1
DA COMUNIDADE DE BASE
À SOCIEDADE MUNDIAL
Hoje em dia, grande
parte do destino de cada um de nós, quer o queiramos quer não, joga-se num
cenário em escala mundial. Imposta pela abertura das fronteiras econômicas e
financeiras, impelida por teorias de livre comércio, reforçada pelo
desmembramento do bloco soviético, instrumentalizada pelas novas tecnologias da
informação, a interdependência planetária não cessa de aumentar, no plano
econômico, científico, cultural e político. Sentida de maneira confusa por cada
indivíduo, tornou-se para os dirigentes uma fonte de dificuldades. A
conscientização generalizada desta “globalização” das relações internacionais
constitui, aliás, em si mesma, uma dimensão do fenômeno. E, apesar das
promessas que encerra, a emergência deste mundo novo, difícil de decifrar e,
ainda mais, de prever, cria um clima de incerteza e, até, de apreensão, que
torna ainda mais hesitante a busca de uma solução dos problemas realmente em
escala mundial.
A comunicação
universal
As novas tecnologias
fizeram a humanidade entrar na era da comunicação universal; abolindo as
distâncias, concorrem muitíssimo para moldar a sociedade do futuro, que não
corresponderá, por isso mesmo, a nenhum modelo do passado. As informações mais
rigorosas e mais atualizadas podem ser postas ao dispor de quem quer que seja,
em qualquer parte do mundo, muitas vezes, em tempo real, e atingem as regiões
mais recônditas. Em breve,a interatividade permitirá não só emitir e receber
informações, mas também dialogar, discutir e transmitir informações e
conhecimentos, sem limite de distância ou de tempo. Não podemos nos esquecer,
contudo, que numerosas populações carentes vivem ainda afastadas desta
evolução, principalmente em zonas desprovidas de eletricidade.
Recordemos, também, que mais da metade da população mundial não tem acesso aos diversos serviços oferecidos pela rede telefônica.
Esta livre circulação de imagens e de palavras, que prefigure o mundo de amanhã, até no que possa ter de perturbador, transformou tanto as relações internacionais, como a compreensão do mundo pelas pessoas; é um dos grandes aceleradores da mundialização.
Tem, contudo, contrapartidas negativas. Os sistemas de informação são ainda relativamente caros, e de difícil acesso para muitos países. O seu domínio confere às grandes potências, ou aos interesses particulares que o detêm, um verdadeiro poder cultural e político, principalmente sobre as populações que não foram preparadas, através de uma educação adequada, a hierarquizar,a interpretar e a criticar as informações recebidas. O quase monopólio das indústrias culturais, por parte de uma minoria de países, e a difusão de sua produção pelo mundo inteiro, junto de um público vastíssimo, constituem poderosos fatores de erosão das especificidades culturais. Se bem que uniforme e, muitas vezes, de grande pobreza de conteúdo, esta falsa “cultura mundial” não deixa, por isso, de trazer consigo normas implícitas e pode induzir, nos que lhe sofrem o impacto, um sentimento de espoliação e de
perda de identidade.
A educação tem, sem dúvida, um papel importante a desempenhar, se se quiser dominar o desenvolvimento do entrecruzar de redes de comunicação que, pondo os homens a escutarem-se uns aos outros, faz deles verdadeiros vizinhos.
Um mundo multirriscos
A queda, em 1989, do bloco soviético virou uma página da história mas, paradoxalmente, o fim da guerra fria, que marcara os decênios precedentes, deu origem a um mundo mais complexo e inseguro, e sem dúvida mais perigoso. Talvez a guerra fria encobrisse, há muito tempo já, as tensões latentes que existiam entre nações, etnias, comunidades religiosas, que agora surgem à luz do dia, constituindo outros tantos focos de agitação, ou causas
de conflitos declarados. A entrada neste mundo “multirriscos”, ou pressentido como tal, constituído por elementos ainda por decifrar, é uma das características dos finais do século XX, que perturba e inquieta profundamente a consciência mundial.
É correto, sem dúvida, considerar a queda de alguns regimes totalitários como um avanço da liberdade e da democracia. Mas há muito caminho a percorrer ainda, e a revelação da multiplicidade de riscos que pesam sobre o futuro do mundo coloca o observador perante numerosos paradoxos: o poder totalitário revela-se frágil, mas os seus efeitos persistem; assiste-se, simultaneamente, ao declínio da idéia de Estado nacional e ao aumento dos nacionalismos; a paz parece, agora, menos impossível que durante a guerra fria, mas a guerra surge, também, como menos improvável.
A incerteza quanto ao destino comum da humanidade assume novas e variadas formas. A acumulação de armas, mesmo de armas nucleares, não tem o mesmo significado simples de dissuasão nem de segurança contra o risco de uma guerra entre dois blocos; é fruto de uma competição generalizada, para ver quem detém as armas mais sofisticadas.
Ora, esta corrida aos armamentos não diz respeito apenas a alguns Estados; implica entidades não-institucionais, como associações políticas ou grupos terroristas.
O local e o global
O mal-estar, causado pela falta de visão clara do futuro, conjuga-se com a consciência cada vez maior das diferenças existentes no mundo, e das múltiplas tensões que daí resultam, entre o “local” e o “global”.
O desenvolvimento das interdependências veio revelar vários desequilíbrios: desequilíbrio entre países ricos e países pobres; fratura social entre os mais favorecidos e os excluídos, no interior de cada país; uso descontrolado dos recursos naturais, provocando a rápida degradação do meio ambiente. As desigualdades de desenvolvimento agravaram-se, em muitos casos, como é referido pela maior parte dos relatórios internacionais, e observa-se um verdadeiro descontrole dos países mais pobres. Estas escandalosas desigualdades são cada vez mais notórias, devido à expansão dos meios de informação e de comunicação. Os meios de comunicação social comprazem-se, muitas vezes, em dar a conhecer aspectos da vida e hábitos de consumo dos mais favorecidos, suscitando assim, nos mais deserdados, sentimentos de rancor e frustração, ou até, de hostilidade e rejeição. Quanto aos países ricos, é-lhes cada vez mais difícil dissimular a exigência imperiosa de uma ativa solidariedade internacional, se quiserem garantir um futuro comum, mediante a construção progressiva de um mundo mais justo.
Por outro lado, a rápida transformação das sociedades humanas a que assistimos, na junção de dois séculos, dá-se em dois sentidos: no sentido da mundialização, como vimos, mas também no sentido da busca de múltiplas raízes particulares. Cria, também, naqueles que a vivem ou tentam geri-la, um leque de tensões contraditórias, num contexto de completa alteração.
Solicitado por uma modernidade global, na qual, muitas vezes, não tem meios de realmente participar e que pode contrariar em parte, seu engajamento pessoal em diversas comunidades de base a que pertence, o indivíduo sente-se confuso perante a complexidade do mundo moderno, que altera suas referências habituais. Muitos fatores reforçam esta sensação de vertigem: o medo das catástrofes e conflitos que podem atingir a sua integridade; um sentimento de vulnerabilidade perante fenômenos como o desemprego, devido à alteração das estruturas laborais; ou a impotência generalizada, perante uma mundialização em que podem participar, apenas, alguns privilegiados. Abalado por ver, assim, postas em causa as bases da sua existência, o homem contemporâneo corre o risco de encarar como ameaças as evoluções que se operam além das fronteiras do seu grupo imediato e de, paradoxalmente, ser tentado, por um sentimento ilusório de segurança, a fechar-se sobre si mesmo, com a eventual conseqüência de rejeição do outro.
Os dirigentes incumbidos de decisões cruciais enfrentam uma perplexidade diferente, mas de origem idêntica numa altura em que as estruturas de organização do Estado-Nação estão, de algum modo, na ordem do dia, sujeitos aos imperativos da globalização e, em sentido inverso, às exigências das comunidades de base.
Desarmados pela rápida sucessão dos acontecimentos, que parecem por vezes ultrapassar ou frustrar todas as análises, privados, devido à falta de distanciamento, de critérios confiáveis para agir, os tomadores de decisões políticas parecem, muitas vezes hesitar entre posições contraditórias para justificar seus interesses, muitas vezes não tão claros.
CAPÍTULO 2
DA COESÃO SOCIAL À
PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA
PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA
Qualquer sociedade
humana retira a sua coesão de um conjunto de atividades e projetos comuns, mas
também, de valores partilhados, que constituem outros tantos aspectos da
vontade de viver juntos. Com o decorrer do tempo, estes laços materiais e
espirituais enriquecem-se e tornam-se, na memória individual e coletiva, uma
herança cultural, no sentido mais lato do termo, que serve de base aos
sentimentos de pertencer àquela comunidade, e de solidariedade.
Em todo o mundo, a educação, sob as suas diversas formas, tem por missão criar, entre as pessoas, vínculos sociais que tenham a sua origem em referências comuns. Os meios utilizados abrangem as culturas e as circunstâncias mais diversas; em todos os casos, a educação tem como objetivo essencial o desenvolvimento do ser humano na sua dimensão social. Define-se como veículo de culturas e de valores, como construção de um espaço de socialização, e como caminho de preparação de um projeto comum.
Atualmente, os diferentes modos de socialização estão sujeitos a duras provas, em sociedades ameaçadas pela desorganização e a ruptura dos laços sociais. Os sistemas educativos encontram-se, assim, submetidos a um conjunto de tensões, dado que se trata, concretamente, de respeitar a diversidade dos indivíduos e dos grupos humanos, mantendo, contudo, o princípio da homogeneidade que implica a necessidade de observar regras comuns. Neste aspecto, a educação enfrenta enormes desafios, e se depara com uma contradição quase impossível de resolver: por um lado, é acusada de estar na origem de muitas exclusões sociais e de agravar o desmantelamento do tecido social, mas por outro, é a ela que se faz apelo, quando se pretende restabelecer algumas das “semelhanças essenciais à vida coletiva”, de que falava o sociólogo francês Emile Durkheim, no início deste século.
Confrontada com a crise das relações sociais, a educação deve, pois, assumir a difícil tarefa que consiste em fazer da diversidade um fator positivo de compreensão mútua entre indivíduos e grupos humanos. A sua maior ambição passa a ser dar a todos os meios necessários a uma cidadania consciente e ativa, que só pode se realizar, plenamente, num contexto de sociedades democráticas.
Uma educação à prova
da crise das relações sociais
Desde sempre, as
sociedades foram abaladas por conflitos suscetíveis de, nos casos extremos,
pôrem em perigo a sua coesão.
Hoje, contudo, não se pode deixar de dar importância a um conjunto de fenômenos que, na maior parte dos países do mundo, surgem como outros tantos índices de uma crise aguda das relações sociais.
Uma primeira verificação relaciona-se com o agravamento das desigualdades, ligado ao aumento dos fenômenos de pobreza e de exclusão. Não se trata, apenas, das disparidades já mencionadas entre países ou regiões do mundo, mas sim de fraturas profundas entre grupos sociais, tanto no interior dos países desenvolvidos como no dos países em desenvolvimento. A Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social realizada em Copenhague de 6 a 12 de março de 1995 traçou um quadro alarmante da situação social atual, recordando em particular que “no mundo, mais de um bilhão de seres humanos vivem numa pobreza abjeta, passando a maior parte deles fome todos os dias”, e que “mais de 120 milhões de pessoas no mundo estão oficialmente no desemprego e muitas mais ainda no subemprego”.
Se, nos países em desenvolvimento, o crescimento da população compromete a possibilidade de se alcançar níveis de vida mais elevados, outros fenômenos vêm acentuar o sentimento de uma crise social que atinge a maior parte dos países do mundo.
O desenraizamento ligado às migrações e ao êxodo rural, o desmembramento das famílias, a urbanização desordenada, a ruptura das solidariedades tradicionais de vizinhança, lançam muitos grupos e indivíduos no isolamento e na marginalização, tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento. A crise social do mundo atual conjuga-se com uma crise moral, e vem acompanhada do desenvolvimento da violência e da criminalidade. A ruptura dos laços de vizinhança manifesta-se no aumento dramático dos conflitos interétnicos, que parece ser um dos traços característicos dos finais do século XX.
De uma maneira geral, os valores integradores são postos em causa de formas muito diversas. O que parece particularmente grave é que esta atitude abrange dois conceitos, o de nação e o de democracia, que podemos considerar como os fundamentos da coesão das sociedades modernas. O Estado-Nação, tal como se constituiu na Europa durante o século XIX, já não é, em certos casos, o único quadro de referência, e tendem a desenvolver-se outras formas de dependência, mais próximas dos indivíduos, na medida em que se situam a uma escala mais reduzida. De maneira inversa, mas sem dúvida complementar, surgem no mundo regiões inteiras que procuram constituir vastas comunidades transnacionais que traçam novos espaços de identificação, embora limitados ainda, em muitos casos, apenas à atividade econômica.
Em certos países, pelo contrário, forças centrífugas distendem, até a ruptura, as relações habituais entre as coletividades e os indivíduos. Nos países da antiga URSS, por exemplo, a queda do sistema soviético trouxe consigo uma fragmentação dos territórios nacionais. Finalmente, a associação da idéia de Estado-Nação à idéia de uma forte centralização estatal pode explicar o aparecimento de preconceitos contrários a essa mesma idéia, que exacerbam a necessidade de participação da sociedade civil e a reivindicação de uma maior descentralização.
O conceito de democracia é, também, questionado de um modo que parece paradoxal. De fato, na medida em que corresponde a um sistema político que procura assegurar, através do contrato social, a compatibilidade entre as liberdades individuais e uma organização comum da sociedade, ele ganha, sem dúvida, cada vez mais terreno e corresponde, plenamente, a uma reivindicação de autonomia individual que se observa por todo o mundo.
A educação e a luta
contra as exclusões
A educação pode ser
um fator de coesão, se procurar ter em conta a diversidade dos indivíduos e dos
grupos humanos, evitando tornar-se um fator de exclusão social.
O respeito pela diversidade e pela especificidade dos indivíduos constitui, de fato, um princípio fundamental, que deve levar à proscrição de qualquer forma de ensino estandardizado. Os sistemas educativos formais são, muitas vezes, acusados e com razão, de limitar a realização pessoal, impondo a todas as crianças o mesmo modelo cultural e intelectual, sem ter em conta a diversidade dos talentos individuais. Tendem cada vez mais, por exemplo, a privilegiar o desenvolvimento do conhecimento abstrato em detrimento de outras qualidades humanas como a imaginação, a aptidão para comunicar, o gosto pela animação do trabalho em equipe, o sentido do belo, a dimensão espiritual ou a habilidade manual. De acordo com as suas aptidões e os seus gostos pessoais, que são diversos desde o nascimento, nem todas as crianças retiram as mesmas vantagens dos recursos educativos comuns. Podem, até, cair em situação de insucesso, por falta de adaptação da escola aos seus talentos e às suas aspirações.
Além da multiplicidade dos talentos individuais, a educação confronta-se com a riqueza das expressões culturais dos vários grupos que compõem a sociedade, e a Comissão elegeu, como um dos princípios fundamentais da sua reflexão, o respeito pelo pluralismo.
Mesmo que as situações sejam muito diferentes de um país para o outro, a maior parte dos países caracteriza-se, de fato, pela multiplicidade das suas raízes culturais e linguísticas. Nos países outrora colonizados, como os da África subsaariana, a língua e o modelo educativo da antiga metrópole sobrepuseram-se a uma cultura e a um ou a vários tipos de educação tradicionais. A busca de uma educação que sirva de fundamento a uma identidade própria, para lá do modelo ancestral e do modelo trazido pelos colonizadores, manifesta-se, sobretudo, pela crescente utilização das línguas locais no ensino. A questão do pluralismo cultural e linguístico surge, também, em relação às populações autóctones, ou aos grupos migrantes, para os quais há que encontrar o equilíbrio, entre a preocupação de uma integração bem-sucedida e o enraizamento na cultura de origem. Qualquer política de educação deve estar à altura de enfrentar um desafio essencial, que consiste em fazer desta reivindicação legítima um fator de coesão social. É importante, sobretudo, fazer com que cada um se possa situar no seio da comunidade a que pertencem primariamente, a maior parte das vezes, em nível local, fornecendo-lhe os meios de se abrir às outras comunidades. Neste sentido, importa promover uma educação intercultural, que seja verdadeiramente um fator de coesão e de paz.
Depois, é necessário que os próprios sistemas educativos não conduzam, por si mesmos, a situações de exclusão. O princípio de emulação, propício em certos casos, ao desenvolvimento intelectual pode, de fato, ser pervertido e traduzir-se numa prática excessivamente seletiva, baseada nos resultados escolares. Então, o insucesso escolar surge como irreversível, e dá origem, freqüentemente, à marginalização e à exclusão sociais. Muitos países, sobretudo entre os países desenvolvidos, sofrem atualmente de um fenômeno que desorienta as políticas educativas: o prolongamento da escolaridade, paradoxalmente, em vez de melhorar, agrava muitas vezes a situação dos jovens mais desfavorecidos socialmente e/ou em situação de insucesso escolar. Mesmo nos países que mais gastam com a educação, o insucesso e o abandono escolares afetam um grande número de alunos. Dividem os jovens em duas categorias, situação tanto mais grave quanto se prolonga pelo mundo do trabalho. Os não diplomados se apresentam aos recrutadores das empresas com uma desvantagem quase insuperável. Alguns deles, considerados pelas empresas sem capacidades para o emprego, ficam definitivamente excluídos do mundo do trabalho e privados de qualquer possibilidade de inserção social. Gerador de exclusão, o insucesso escolar está, pois, em muitos casos, na origem de certas formas de violência e de desvios individuais.
Estes processos que destroem o tecido social fazem com que a escola seja acusada de ser fator de exclusão social e, ao mesmo tempo, seja fortemente solicitada como instituição-chave para a integração ou reintegração. Os problemas que esta situação cria às políticas educativas são particularmente difíceis: a luta contra o insucesso escolar deve, antes de mais nada, ser considerada como um imperativo social e a Comissão terá ocasião de formular algumas propostas a este respeito, no capítulo sexto.
CAPÍTULO 3
DO CRESCIMENTO ECONÔMICO AO
DESENVOLVIMENTO HUMANO
DESENVOLVIMENTO HUMANO
O mundo conheceu,
durante o último meio século, um desenvolvimento econômico sem precedentes, O
autor recorda que, em sua perspectiva, estes avanços se devem, antes de
mais nada, à capacidade dos seres humanos de dominar e organizar o meio
ambiente em função das suas necessidades, isto é, à ciência e à educação,
motores principais do progresso econômico. Tendo, porém, consciência de que o
modelo de crescimento atual depara-se com limites evidentes, devido às
desigualdades que induz e aos custos humanos e ecológicos que comporta, o autor
julga necessário definir a educação, não apenas na perspectiva dos seus efeitos
sobre o crescimento econômico, mas de acordo com uma visão mais larga: a do
desenvolvimento humano.
Um crescimento
econômico mundial profundamente desigual
A riqueza mundial
cresceu consideravelmente a partir de 1950 sob os efeitos conjugados da segunda
revolução industrial, do aumento da produtividade e do progresso tecnológico. O
produto interno bruto mundial passou de quatro trilhões para vinte e três
trilhões de dólares e o rendimento médio por habitante mais do que triplicou
durante este período. O progresso técnico difundiu-se muito rapidamente: para
citar apenas um exemplo, recorde-se que a informática conheceu mais do que
quatro fases de desenvolvimento sucessivas no espaço de uma vida humana, e que,
em 1993, as vendas mundiais de terminais informáticos ultrapassaram doze
milhões de unidades.
Os modos de vida e os estilos de consumo sofreram profundas transformações e o projeto de uma melhoria do bem-estar da humanidade pela modernização da economia começou a ganhar forma de modo quase universal. Contudo, o modelo de desenvolvimento baseado apenas no crescimento econômico revelou-se profundamente desigual e os ritmos de progressos são muito diferentes segundo os países e as regiões do mundo. Calcula-se, assim, que mais de três quartos da população mundial vivem em países em desenvolvimento e se beneficiam de apenas 16% da riqueza mundial. Mais grave ainda, de acordo com estudos da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (CNUCED), o rendimento médio dos países menos avançados, que englobam ao todo 560 milhões de habitantes, está atualmente baixando. Seria por habitante 300 dólares por ano, contra 906 dólares nos outros países em desenvolvimento e 21 598 dólares nos países industrializados. Por outro lado, as disparidades foram acentuadas pela competição entre nações e os diferentes grupos humanos: a desigualdade na distribuição dos excedentes de produtividade entre os países e até no interior de alguns países considerados ricos, revela que o crescimento aumenta a separação entre os mais dinâmicos e os outros. Certos países parecem, assim, esquecidos na corrida pela competitividade. As disparidades explicam-se, em parte, pela disfunção dos mercados e pela natureza, intrinsecamente desigual, do sistema político mundial; estão também estreitamente ligadas ao tipo de desenvolvimento atual que atribui um valor preponderante à massa cinzenta e à inovação.
A procura de educação
para fins econômicos
Observa-se, de fato,
que no decurso do período considerado e sob a pressão do progresso técnico e da
modernização, a procura de educação com fins econômicos não parou de crescer na
maior parte dos países. As comparações internacionais realçam a importância do
capital humano e, portanto, do investimento educativo para a produtividade.
A relação entre o ritmo do progresso técnico e a qualidade da intervenção humana torna-se, então, cada vez mais evidente, assim como a necessidade de formar agentes econômicos aptos a utilizar as novas tecnologias e que revelem um comportamento inovador. Requerem-se novas aptidões e os sistemas educativos devem dar resposta a esta necessidade, não só assegurando os anos de escolarização ou de formação profissional estritamente necessários, mas formando cientistas, inovadores e quadros técnicos de alto nível.
Pode-se, igualmente, situar nesta perspectiva o desenvolvimento que teve, nos últimos anos, a formação permanente concebida, antes de mais nada, como um acelerador do crescimento econômico.
A rapidez das alterações tecnológicas fez, de fato, surgir, em nível das empresas e dos países, a necessidade de flexibilidade qualitativa da mão-de-obra. Acompanhar, e até, antecipar-se às transformações tecnológicas que afetam permanentemente a natureza e a organização do trabalho, tornou-se primordial. Em todos os setores, mesmo na agricultura sente-se a necessidade de competências evolutivas articuladas com o saber e com o saber-fazer mais atualizado. Esta evolução irreversível não aceita as rotinas nem as qualificações obtidas por imitação ou repetição e verifica-se que se dá uma importância cada vez maior aos investimentos ditos imateriais, como a formação, à medida que a “revolução da inteligência” produz os seus efeitos.
A formação permanente de mão-de-obra adquire, então, a dimensão de um investimento estratégico que implica a mobilização de vários tipos de atores: além dos sistemas educativos, formadores privados, empregadores e representantes dos trabalhadores estão convocados de modo especial.
Observa-se, assim, em muitos países industrializados um aumento sensível dos meios financeiros dedicados à formação permanente.
Tudo leva a pensar que esta tendência aumentará devido à evolução do trabalho nas sociedades modernas. De fato, a natureza do trabalho mudou profundamente no decorrer dos últimos anos.
Deu-se, em particular, um nítido aumento do setor terciário que emprega, hoje, um quarto da população ativa dos trabalhadores no mundo todo.
Uma reflexão necessária:
os prejuízos do progresso
O objetivo de puro
crescimento econômico revela-se insuficiente para garantir o desenvolvimento
humano. Está posto em questão por duas razões: não só devido ao seu caráter
desigual, mas também por causa dos elevados custos que acarreta especialmente
em matéria de ambiente e de emprego.
No ritmo atual de produção, os chamados recursos não renováveis correm, de fato, o risco de se tornarem cada vez mais escassos, quer se trate de recursos energéticos ou de terras aráveis.
Por outro lado, as próprias indústrias ligadas às ciências físicas, químicas e biológicas estão na origem de poluições destruidoras ou perturbadoras da natureza. Finalmente, e de um modo geral, as condições de vida sobre a terra estão ameaçadas: a escassez de água potável, o desmatamento, o “efeito estufa”, a transformação dos oceanos em lixeiras gigantes, são manifestações inquietantes de uma irresponsabilidade geral das gerações atuais em relação ao futuro para cuja gravidade alertou a Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro em 1992.
Por outro lado, o
rápido aumento do desemprego nos últimos anos em muitos países constitui, em
muitos aspectos, um fenômeno estrutural ligado ao progresso tecnológico. Ao
substituir sistematicamente a mão-de-obra por um capital técnico inovador que
aumenta constantemente a produtividade do trabalho, se está contribuindo para o
subemprego de parte dessa mão-de-obra.
Cada vez maiores de tempo que lhes são impostas por terem de trabalhar mais horas para conseguirem o pão de cada dia, têm o duplo efeito de desvalorizar o seu estatuto social e de manter elevada a taxa de natalidade. Dado que não lhes é possível aumentar, mais ainda, a sua carga de trabalho, as mulheres recorrem, em grande parte, a seus filhos — em especial às filhas — para se libertarem de uma parte de suas tarefas. De fato, a tendência crescente em muitas regiões de não mandar as filhas à escola para que assim possam ajudar a mãe no trabalho fará, com certeza, com que toda uma nova geração de jovens fique com perspectivas de futuro muito limitadas e se sinta em desvantagem em relação aos irmãos.
O fenômeno afetou, em primeiro lugar, o trabalho de execução; começa a atingir, a partir de agora, tarefas de concepção e de cálculo. A generalização da inteligência artificial ameaça fazer com que o fenômeno suba ao longo da cadeia de qualificação. Não se trata, apenas, da exclusão do emprego ou até da sociedade de grupos de indivíduos mal preparados, mas de uma evolução que poderá modificar o lugar e, talvez até, a própria natureza do trabalho nas sociedades de amanhã. É difícil, no estado atual das coisas, fazer um diagnóstico seguro, mas a questão tem pleno cabimento.
Note-se que nas sociedades industriais, alicerçadas no valor integrador do trabalho, este problema constitui já uma fonte de desigualdade: uns têm trabalho, outros são dele excluídos e ficam dependentes da assistência, ou são abandonadas à própria sorte.
Na falta de um novo modelo de estruturação da vida humana estas sociedades estão em crise: para elas o trabalho torna-se um bem raro que os países disputam recorrendo a toda a espécie de protecionismos e de “dumping” social. O problema do desemprego ameaça também, profundamente, a estabilidade dos países em desenvolvimento. O perigo está em toda a parte: muitos jovens desempregados, entregues a si mesmos nos grandes centros urbanos, correm todos os perigos relacionados com a exclusão social. Esta evolução traz grandes custos sociais e, levada ao extremo, constitui uma ameaça para a solidariedade nacional. Pode, pois, dizer de uma forma que se pretende prudente, que o progresso técnico avança mais depressa do que a nossa capacidade de imaginar soluções para os novos problemas que ele coloca às pessoas e às sociedades modernas. É preciso repensar a sociedade em função desta evolução inevitável.
CAPÍTULO 4
OS QUATRO PILARES DA
EDUCAÇÃO
Delors afirma que os meios, nunca antes
disponíveis, para a circulação e armazenamento de informações e para a
comunicação, o próximo século submeterá a educação a uma dura obrigação que
pode parecer, à primeira vista, quase contraditória. A educação deve
transmitir, de fato, de forma maciça e eficaz, cada vez mais saberes e
saber-fazer evolutivos, adaptados à civilização cognitiva, pois são as bases
das competências do futuro. Simultaneamente, compete-lhe encontrar e assinalar
as referências que impeçam as pessoas de ficar submergidas nas ondas de
informações, mais ou menos efêmeras, que invadem os espaços públicos e privados
e as levem a se orientarem para projetos de desenvolvimento individuais e
coletivos. À educação cabe fornecer, de algum modo, os mapas de um mundo
complexo e constantemente agitado e, ao mesmo tempo, a bússola que permita
navegar através dele.
Nesta visão prospectiva, uma resposta puramente quantitativa à necessidade insaciável de educação — uma bagagem escolar cada vez mais pesada — já não é possível nem mesmo adequada. Não basta, de fato, que cada um acumule no começo da vida uma determinada quantidade de conhecimentos de que possa abastecer-se indefinidamente. É, antes, necessário estar à altura de aproveitar e explorar, do começo ao fim da vida, todas as ocasiões de atualizar, aprofundar e enriquecer estes primeiros conhecimentos, e de se adaptar a um mundo em mudança.
Nesta visão prospectiva, uma resposta puramente quantitativa à necessidade insaciável de educação — uma bagagem escolar cada vez mais pesada — já não é possível nem mesmo adequada. Não basta, de fato, que cada um acumule no começo da vida uma determinada quantidade de conhecimentos de que possa abastecer-se indefinidamente. É, antes, necessário estar à altura de aproveitar e explorar, do começo ao fim da vida, todas as ocasiões de atualizar, aprofundar e enriquecer estes primeiros conhecimentos, e de se adaptar a um mundo em mudança.
Para poder dar resposta ao conjunto das suas missões, a educação deve organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão de algum modo para cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes. É claro que estas quatro vias do saber constituem apenas uma, dado que existem entre elas múltiplos pontos de contato, de relacionamento e de permuta.
Mas, em regra geral, o ensino formal orienta-se, essencialmente, se não exclusivamente, para o aprender a conhecer e, em menor escala, para o aprender a fazer. As duas outras aprendizagens dependem, a maior parte das vezes, de circunstâncias aleatórias quando não são tidas, de algum modo, como prolongamento natural das duas primeiras. O autor pensa que cada um dos “quatro pilares do conhecimento” deve ser objeto de atenção igual por parte do ensino estruturado, a fim de que a educação apareça como uma experiência global a levar a cabo ao longo de toda a vida, no plano cognitivo como no prático, para o indivíduo enquanto pessoa e membro da sociedade. Uma nova concepção ampliada de educação devia fazer com que todos pudessem descobrir, reanimar e fortalecer o seu potencial criativo — revelar o tesouro escondido em cada um de nós. Isto supõe que se ultrapasse a visão puramente instrumental da educação, considerada como a via obrigatória para obter certos resultados (saber-fazer, aquisição de capacidades diversas, fins de ordem econômica), e se passe a considerá-la em toda a sua plenitude: realização da pessoa que, na sua totalidade, aprende a ser.
Aprender a conhecer
Este tipo de
aprendizagem que visa não tanto a aquisição de um repertório de saberes
codificados, mas antes o domínio dos próprios instrumentos do conhecimento pode
ser considerado, simultaneamente, como um meio e como uma finalidade da vida
humana. Meio, porque se pretende que cada um aprenda a compreender o mundo que
o rodeia.
Aprender para conhecer supõe, antes tudo, aprender a aprender, exercitando a atenção, a memória e o pensamento.
Por outro lado, o exercício da memória é um antídoto necessário contra a submersão pelas informações instantâneas difundidas pelos meios de comunicação social. Seria perigoso imaginar que a memória pode vir a tornar-se inútil, devido à enorme capacidade de armazenamento e difusão das informações de que dispomos daqui em diante. É preciso ser, sem dúvida, seletivo na escolha dos dados a aprender “de cor” mas, propriamente, a faculdade humana de memorização associativa, que não é redutível a um automatismo, deve ser cultivada cuidadosamente. Todos os especialistas concordam em que a memória deve ser treinada desde a infância, e que é errado suprimir da prática escolar certos exercícios tradicionais, considerados como fastidiosos.
Finalmente, o exercício do pensamento ao qual a criança é iniciada, em primeiro lugar, pelos pais e depois pelos professores, deve comportar avanços e recuos entre o concreto e o abstrato.
Também se devem combinar, tanto no ensino como na pesquisa, dois métodos apresentados, muitas vezes, como antagônicos: o método dedutivo por um lado e o indutivo por outro.
O processo de aprendizagem do conhecimento nunca está acabado, e pode enriquecer-se com qualquer experiência. Neste sentido, liga-se cada vez mais à experiência do trabalho, à medida que este se torna menos rotineiro. A educação primária pode ser considerada bem-sucedida se conseguir transmitir às pessoas o impulso e as bases que façam com que continuem a aprender ao longo de toda a vida, no trabalho, mas também fora dele.
Aprender a fazer
Aprender a conhecer e
aprender a fazer são, em larga medida, indissociáveis. Mas a segunda
aprendizagem está mais estreitamente ligada à questão da formação profissional:
como ensinar o aluno a pôr em prática os seus conhecimentos e, também, como
adaptar a educação ao trabalho futuro quando não se pode prever qual será a sua
evolução?
Convém distinguir, a este propósito, o caso das economias industriais onde domina o trabalho assalariado do das outras economias onde domina, ainda em grande escala, o trabalho independente ou informal. De fato, nas sociedades assalariadas que se desenvolveram ao longo do século XX, a partir do modelo industrial, a substituição do trabalho humano pelas máquinas tornou-o cada vez mais imaterial e acentuou o caráter cognitivo das tarefas, mesmo na indústria, assim como a importância dos serviços na atividade econômica. O futuro destas economias depende, aliás, da sua capacidade de transformar o progresso dos conhecimentos em inovações geradoras de novas empresas e de novos empregos. Aprender a fazer não pode, pois, continuar a ter o significado simples de preparar alguém para uma tarefa material bem determinada, para fazê-lo participar no fabrico de alguma coisa. Como conseqüência, as aprendizagens devem evoluir e não podem mais ser consideradas como simples transmissão de práticas mais ou menos rotineiras, embora estas continuem a ter um valor formativo que não é de desprezar os diversos aspectos da aprendizagem. Qualidades como a capacidade de comunicar, de trabalhar com os outros, de gerir e de resolver conflitos, tornam-se cada vez mais importantes. E esta tendência torna-se ainda mais forte, devido ao desenvolvimento do setor de serviços.
Finalmente, é provável que nas organizações ultratecnicistas do futuro, os déficits relacionais possam criar graves disfunções exigindo qualificações de novo tipo, com base mais comportamental do que intelectual. O que pode ser uma oportunidade para os não diplomados, ou com deficiente preparação em nível superior. A intuição, o jeito, a capacidade de julgar, a capacidade de manter unida uma equipe não são de fato qualidades, necessariamente, reservadas a pessoas com altos estudos. Como e onde ensinar estas qualidades mais ou menos inatas? Não se podem deduzir simplesmente os conteúdos de formação, das capacidades ou aptidões requeridas. O mesmo problema põe-se, também, quanto à formação profissional, nos países em desenvolvimento.
Aprender a viver
juntos, aprender a viver com os outros
Sem dúvida, esta
aprendizagem representa, hoje em dia, um dos maiores desafios da educação. O
mundo atual é, muitas vezes, um mundo de violência que se opõe à esperança
posta por alguns no progresso da humanidade. A história humana sempre foi
conflituosa, mas há elementos novos que acentuam o perigo e, especialmente, o
extraordinário potencial de autodestruição criado pela humanidade no decorrer
do século XX. A opinião pública, através dos meios de comunicação social,
torna-se observadora impotente e até refém dos que criam ou mantêm os
conflitos. Até agora, a educação não pôde fazer grande coisa para modificar
esta situação real. Poderemos conceber uma educação capaz de evitar os
conflitos, ou de resolvê-los- de maneira pacífica, desenvolvendo o
conhecimento dos outros, das suas culturas, da sua espiritualidade?
É de louvar a idéia de ensinar a não-violência na escola, mesmo que apenas constitua um instrumento, entre outros, para lutar contra os preconceitos geradores de conflitos. A tarefa é árdua porque, muito naturalmente, os seres humanos têm tendência a supervalorizar as suas qualidades e as do grupo a que pertencem, e a alimentar preconceitos desfavoráveis em relação aos outros.
Por outro lado, o clima geral de concorrência que caracteriza, atualmente, a atividade econômica no interior de cada país, e sobretudo em nível internacional, tende a dar prioridade ao espírito de competição e ao sucesso individual. De fato, esta competição resulta, atualmente, numa guerra econômica implacável e numa tensão entre os mais favorecidos e os pobres, que divide as nações do mundo e exacerba as rivalidades históricas. É de lamentar que a educação contribua, por vezes, para alimentar este clima, devido a uma má interpretação da idéia de emulação.
Que fazer para melhorar a situação? A experiência prova que, para reduzir o risco, não basta pôr em contato e em comunicação membros de grupos diferentes (através de escolas comuns a várias etnias ou religiões, por exemplo). Se, no seu espaço comum, estes diferentes grupos já entram em competição ou se o seu estatuto é desigual, um contato deste gênero pode, pelo contrário, agravar ainda mais as tensões latentes e degenerar em conflitos.
A descoberta do outro
A educação tem por
missão, por um lado, transmitir conhecimentos sobre a diversidade da espécie
humana e, por outro, levar as pessoas a tomar consciência das semelhanças e da
interdependência entre todos os seres humanos do planeta. Desde tenra idade, a
escola deve, pois, aproveitar todas as ocasiões para esta dupla aprendizagem. Algumas
disciplinas estão mais adaptadas a este fim, em particular a geografia humana a
partir do ensino básico e as línguas e literaturas estrangeiras mais tarde.
Passando à descoberta do outro, necessariamente, pela descoberta de si mesmo, e por dar à criança e ao adolescente uma visão ajustada do mundo, a educação, seja ela dada pela família, pela comunidade ou pela escola, deve, antes de mais nada, ajudá-los a descobrirem- se a si mesmos.
Tender para objetivos
comuns
Quando se trabalha em conjunto sobre
projetos motivadores e fora do habitual, as diferenças e até os conflitos
interindividuais tendem a se reduzir, chegando a desaparecer em alguns casos.
Uma nova forma de identificação nasce destes projetos que fazem com que se ultrapassem as rotinas individuais, que valorizam aquilo que é comum e não as diferenças. Graças à prática do desporto, por exemplo, quantas tensões entre classes sociais ou nacionalidades se transformaram, afinal, em solidariedade através da experiência e do prazer do esforço comum! E no setor laboral quantas realizações teriam chegado a bom termo se os conflitos habituais em organizações hierarquizadas tivessem sido transcendidos por um projeto comum!
Uma nova forma de identificação nasce destes projetos que fazem com que se ultrapassem as rotinas individuais, que valorizam aquilo que é comum e não as diferenças. Graças à prática do desporto, por exemplo, quantas tensões entre classes sociais ou nacionalidades se transformaram, afinal, em solidariedade através da experiência e do prazer do esforço comum! E no setor laboral quantas realizações teriam chegado a bom termo se os conflitos habituais em organizações hierarquizadas tivessem sido transcendidos por um projeto comum!
A educação formal deve, pois, reservar tempo e ocasiões suficientes em seus programas para iniciar os jovens em projetos de cooperação, logo desde a infância, no campo das atividades desportivas e culturais, evidentemente, mas também estimulando a sua participação em atividades sociais: renovação de bairros, ajuda aos mais desfavorecidos, ações humanitárias, serviços de solidariedade entre gerações etc. As outras organizações educativas e associações devem, neste campo, continuar o trabalho iniciado pela escola.
Aprender a ser
Desde a sua primeira
reunião, a Comissão reafirmou, energicamente, um princípio fundamental: a
educação deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa — espírito e
corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal,
espiritualidade. Todo o ser humano deve ser preparado, especialmente graças à
educação que recebe na juventude, para elaborar pensamentos autônomos e
críticos e para formular os seus próprios juízos de valor, de modo a poder
decidir, por si mesmo, como agir nas diferentes circunstâncias da vida.
O enorme desenvolvimento do poder midiático veio acentuar este temor e tornar mais legítima ainda a injunção que lhe serve de fundamento. É possível que no século XXI estes fenômenos adquiram ainda mais amplitude. Mais do que preparar as crianças para uma dada sociedade, o problema será, então, fornecer-lhes constantemente forças e referências intelectuais que lhes permitam compreender o mundo que as rodeia e que também lhes dê subsídios para comportarem-se nele como atores responsáveis e justos. Mais do que nunca a educação parece ter, como papel essencial, conferir a todos os seres humanos a liberdade de pensamento, discernimento, sentimentos e imaginação de que necessitam para desenvolver os seus talentos e permanecerem, tanto quanto possível, donos do seu próprio destino.
CAPÍTULO 5
EDUCAÇÃO AO LONGO
DE TODA A VIDA
DE TODA A VIDA
A educação ocupa cada
vez mais espaço na vida das pessoas à medida que aumenta o papel que desempenha
na dinâmica das sociedades modernas. Este fenômeno tem várias causas. A divisão
tradicional da existência em períodos distintos — o tempo da infância e da
juventude consagrado à educação escolar, o tempo da atividade profissional
adulta, o tempo da aposentadoria — já não corresponde às realidades da vida
contemporânea e, ainda menos, às exigências do futuro. Hoje em dia, ninguém
pode pensar adquirir, na juventude, uma bagagem inicial de conhecimentos que
lhe baste para toda a vida, porque a evolução rápida do mundo exige uma
atualização contínua dos saberes, mesmo que a educação inicial dos jovens tenda
a prolongar-se. Além disso, a redução do período de atividade profissional, a
diminuição do volume total de horas de trabalho remuneradas e o prolongamento
da vida após a aposentadoria aumentam o tempo disponível para outras
atividades.
Paralelamente, a própria educação está em plena mutação: as possibilidades de aprender oferecidas pela sociedade exterior à escola multiplicam-se, em todos os domínios, enquanto a noção de qualificação, no sentido tradicional, é substituída, em muitos setores modernos de atividade, pelas noções de competência evolutiva e capacidade de adaptação (cf. capítulo quarto).
A Educação no coração
da sociedade
A família constitui o
primeiro lugar de toda e qualquer educação e assegura, por isso, a ligação
entre o afetivo e o cognitivo, assim como a transmissão dos valores e das
normas. As suas relações com o sistema educativo são, por vezes, tidas como
relações de antagonismo: em alguns países em desenvolvimento, os saberes
transmitidos pela escola podem opor-se aos valores tradicionais da família;
acontece também que as famílias mais desfavorecidas encaram, muitas vezes, a
instituição escolar como um mundo estranho de que não compreendem nem os
códigos nem as práticas.
Um diálogo verdadeiro
entre pais e professores é, pois, indispensável, porque o desenvolvimento
harmonioso das crianças implica uma complementaridade entre educação escolar e
educação familiar.
Diga-se, a propósito, que as experiências de educação pré-escolar dirigidas a populações desfavorecidas mostraram que a sua eficácia deveu-se muito ao fato das famílias terem passado a conhecer melhor e a respeitar mais o sistema escolar.
Por outro lado, cada um aprende ao longo de toda a sua vida no seio do espaço social constituído pela comunidade a que pertence. Esta varia, por definição, não só de um indivíduo para outro, mas também no decurso da vida de cada um. A educação deriva da vontade de viver juntos e de basear a coesão do grupo que é confrontado com múltiplas obrigações e que seriam particularmente bem-vindas soluções como o trabalho por tempo reduzido, licenças por paternidade, licenças sabáticas ou licenças para formação? Uma política do tempo de trabalho que tivesse em conta estas necessidades,poderia contribuir muito para conciliar a vida familiar e a vida profissional, e para ultrapassar a divisão tradicional de papéis entre homens e mulheres. Desde o começo dos anos oitenta André Gorz lutou por uma redução substancial da duração da vida ativa. A proposta do antigo presidente da Comissão Européia, Jacques Delors — é a de chegarmos a uma duração da vida ativa de 40.000 horas até ao ano 2010 — sublinha a atualidade e pertinência deste ponto de vista.
CAPÍTULO 6
DA EDUCAÇÃO BÁSICA À
UNIVERSIDADE
UNIVERSIDADE
O conceito de uma
educação que se desenrola ao longo de toda a vida não leva o autor a
negligenciar a importância da educação formal, em proveito da não-formal ou
informal. O autor pensa, pelo contrário, que é no seio dos sistemas educativos
que se forjam as competências e aptidões que farão com que cada um possa continuar
a aprender. Longe de se oporem, educação formal e informal devem fecundar-se
mutuamente. Por isso, é necessário que os sistemas educativos se adaptem a
estas novas exigências: trata-se, antes de mais nada, de repensar e ligar entre
si as diferentes seqüências educativas, de as ordenar de maneira diferente, de
organizar as transições e de diversificar os percursos educativos. Assim se
escapará ao dilema que marcou profundamente as políticas de educação:
selecionar multiplicando o insucesso escolar e o risco de exclusão, ou nivelar
por baixo, uniformizando os cursos, em detrimento da promoção dos talentos
individuais.
É no seio da família, mas também e mais ainda, no nível da educação básica (que inclui em especial os ensinos pré-primário e primário) que se forjam as atitudes perante a aprendizagem que durarão ao longo de toda a vida: a chama da criatividade pode começar a brilhar ou, pelo contrário, extinguir-se; o acesso ao saber pode tornar-se, ou não, uma realidade. É então que cada um de nós adquire os instrumentos do futuro desenvolvimento das suas capacidades de raciocinar e imaginar, da capacidade de discernir, do senso das responsabilidades, é então que aprende a exercer a sua curiosidade em relação ao mundo que o rodeia. A Comissão está bem consciente das disparidades intoleráveis que subsistem entre grupos sociais, países, ou diferentes regiões do mundo: generalizar o acesso a uma educação básica de qualidade continua a ser um dos grandes desafios dos finais do século XX. É, de fato, esse o sentido do compromisso que a comunidade internacional subscreveu por ocasião da Conferência de Jomtien: porque a questão não diz respeito apenas aos países em desenvolvimento, é necessário que todos dominem os conhecimentos indispensáveis à compreensão do mundo em que vivem. Este empenho deve ser renovado, prosseguindo com os esforços já empreendidos. Jaques Delors pensa, porém, que deve constar da agenda das grandes conferências internacionais do próximo século um empenho semelhante a favor do ensino secundário. Este deve ser concebido como uma “plataforma giratória” na vida de cada um: é nessa altura que os jovens devem poder decidir em função dos seus gostos e aptidões; é aí, também, que podem adquirir as capacidades que os levem a ter pleno sucesso na vida de adultos.
Este ensino deve,
pois, estar adaptado aos diferentes processos de acesso à maturidade por parte
dos adolescentes, que variam conforme as pessoas e os países, assim como às
necessidades da vida econômica e social. Convém diversificar os percursos dos
alunos, a fim de corresponder à diversidade dos talentos, de multiplicar as
fases sucessivas de orientação com possibilidades de recuperação e
reorientação. Finalmente, Delors defende vigorosamente o desenvolvimento do
sistema de alternância. Não se trata, apenas, de aproximar a escola do mundo do
trabalho, mas de dar aos adolescentes os meios de enfrentar as realidades
sociais e profissionais e, deste modo, tomar consciência das suas fraquezas e
das suas potencialidades: tal sistema será para eles, com certeza, um fator de
amadurecimento.